quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Fortaleza dos sabores

Alguém me disse que não se deve voltar aos sítios onde já se foi feliz, pois o risco de desilusão é grande.

No meu caso, penso precisamente o oposto: evito os locais onde fui infeliz e retorno sempre à casa que mais felicidade me deu.

Neste caso, e só nas últimas semanas, fui lá quatro vezes, e não me arrependi de nenhuma visita.
Falo de uma das mais sólidas cozinhas de Portugal: a Fortaleza do Guincho.

Falar do chefe é difícil, pois, seja o consultor Antoine Westermann (3 estrelas Michelin), ou o executivo Vincent Fargés (uma estrela Michelin), ambos têm tantos galardões e menções pela sua técnica e criatividade que dispensam qualquer apresentação.

Entrando na sala de jantar, durante o dia, apaixonamo-nos pela vista sobre o oceano e a praia do guincho; à noite, as luzes artificiais iluminam uma sala romântica e com muita epopeia a revelar.
No meu imaginário ouço as pancadas de Molière, sobem-se os panos, baixam-se os olhos e apresenta-se a ementa: Os sabores do Outono.

Iniciei-me nesta graciosa tarefa degustando o Boudin Blanc de aves trufado, feijão verde e "pieds bleus".

A pequena salsicha branca ligeiramente trufada estava magnífica, suavemente aromatizada pelas trufas, o feijão verde ligeiramente al dente, e os pieds bleus soberbamente preparados sobre o seu suco, foram o golpe de misericórdia.

O espumante Rebouça Alvarinho reserva bruto de 2006 casou perfeitamente com este prato.
Seguiu-se o melhor da noite, simples mas objectivo - Peito de faisão assado, creme aveludado de castanhas - senti, literalmente, o Outono na boca.

O aveludado é suave, ligeiro e sabe verdadeiramente a castanhas, e o faisão pairava por lá como anjos pelo céu.

A moleja salteada com um refogado de cepes com presunto pata negra e foie gras de pato estava novamente num alto patamar de gastronomia.

Tudo funcionava: a torre que tinha por base pão torrado, a moleja, o foie, e no topo da torre o cepe.

Uma combinação de texturas acompanhada de uma pequena "brunoise" de legumes.

O palato rematava-se com um óleo de avelã, que lhe dava um ligeiro adocicado de frutos secos.

Passamos agora ao Quinta de Pinto viogner e arinto 2006, que foi um bom parceiro dos pratos que se seguiram.

Não é para todos, mas todos os que gostam iriam ficar de boca de lado com a iguaria que se seguiu: Fricassé de coxas de rã e girolles em lasanha e creme de cerefólio.

Não vou falar deste clássico pela combinação de sabores, pois os franceses não falham este tipo de pratos, mas o pormenor de desossar o pequeno anfíbio e deixar apenas um osso para se poder pegar com a mão e comer tudo num único remate - simplesmente delicioso.

Foram precisas duas experiências para me render ao "turbot"- o filete de pregado de linha salteado com trompettes e chanterelles ligeiramente trufados, e perceber que a qualidade dos produtos faz toda a diferença.

É importante referir que, nesta casa, há uma preocupação em fazer chegar, semanalmente ou diariamente (depende do caso), os melhores produtos. Independentemente da zona do globo, nada é impossível, o melhor é que é imprescindível.

Terminei o desfile dos quentes com aquele que menos me entusiasmou, pois estava perfeitamente clássico e não me trouxe tanta novidade - era o peito de pato selvagem, guisado de couve roxa com especiarias, "pieds de mouton" e marmelo confitado.

Nada a acrescentar, estava bom e não deixaria ninguém desiludido. De salientar o casamento perfeito com o novo tinto da família Roquette (Quinta do Crasto) - Roquette e Cazes 2006.

As sobremesas foram uma concha de merengue "Mont Blanc" com gelado de baunilha Bourbon, e um prato de frutos de Outono salteados com mel de Trás-os-Montes, strudel caramelizado e gelado de canela de Ceilão. Ambos foram acompanhados pelo Quinta da Bacalhoa moscatel roxo 1999.

É fantástico como estes chefes franceses se renderam aos produtos portugueses e "blendaram" com a cozinha francesa, é uma honra e um privilégio tê-los por cá e ao mais alto nível.

Westermann e Fargé são uma dupla imbatível e a Fortaleza do Guincho é provavelmente o melhor restaurante de cozinha francesa em Portugal!

Allez-y !

Detalhes
Restaurante da Fortaleza do Guincho
www.guinchotel.pt
Estrada do Guincho 2750-642 Cascais
W 9º 28' 34,2'' N 38º 43' 41,5''
+351 214 870 491/ restaurante@guinchotel.pt
Horário: Aberto das 12h30 às 15h e das 19h30 às 22h30.
Preço: €65
Tipo de Cozinha: Tradicional francesa criativa
Cartões: MB, Visa, AMEX, Maestro, Mastercard, Dinners

Texto publicado originalmente no Lifestyle do diário OJE a 13 de Outubro de 2010

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