segunda-feira, 12 de abril de 2010

Vinho do Porto 100% Biológico

OJE - Lifestyle - 2010.04.12

Beber o vinho para degustar, ver a vinha para acreditar.


Nos anos oitenta, quando ouvi o meu pai a falar pela primeira vez em agricultura biológica, fiquei um bocado céptico, pois falava-se num conceito que estava a ficar muito na moda no centro da Europa e na América do Norte e pouco mais. Mas para mim era uma conversa de moda e não de conceito.

Com o passar dos anos, segui com muita atenção a evolução do biológico, e pouco a pouco tive que mudar mesmo a minha opinião, pois era frequente começar a ver as prateleiras dos grandes hipermercados a vender um ou outro produto com essa certificação.

Hoje, quando entro numa grande superfície vejo corredores dedicados ao tema, lojas em que a única venda é o produto biológico, e frequentemente nos restaurantes vemos na lista num parêntesis já com destaque “Certificação de Produto Biológico”.

É certo que os produtos inicialmente eram muito mais caros, mas a garantia de ausência de pesticidas e herbicidas, não só no produto, mas também na terra de onde foram produzidos, fizeram as pessoas pensar de uma forma mais ecológica.

Das cebolas, batatas, tomates e outros que inicialmente deram os primeiros passos, começou-se a ver a entrar para o lote um novo conjunto de produtos, um dos quais a vinha, a uva e o vinho.
Pois pela primeira vez na vida, bebi um vinho do porto 100% orgânico e totalmente certificado, e de uma viticultura que, além de estar na região demarcada do Douro, é agora sustentável.

Fico contente por poder divulgar aqui que a Fladgate Partnership, proprietários de vinhos como os muiti-premiados “Fonseca”, as eternas referências “Taylors”, e a sua mais recente aquisição “Croft”, criou uma politica para uma região demarcada do Douro sustentável e segue-a à risca.
Certo que os custos de produção aumentaram em valores muito acima da média, e os resultados da exploração diminuíram 15%, mas na realidade ainda é algo que se está a estudar e com o tempo certamente que esses valores inverterão.

Para já, podemos ver que a natureza e as margens do Douro estão a responder positivamente, pois o aspecto paisagístico está visualmente mais alegre e com um ar mais “sustentável”.

O resultado foi um vinho Fonseca que nada deve aos mais de 300 anos de tradição desta empresa, chama-se “TERRA PRIMA PORTO RESERVA ORGÂNICO”, e já recebeu os melhores comentários da imprensa internacional e nacional.

A explicação pode ser complexa mas assenta num estudo do passado, nos erros dos últimos vinte anos, e num estudo diário para descobrir uma melhor forma, mais rentável, mais ecológica de produção, sem nunca perder as qualidade principais a que este vinho licoroso se obriga.

Pois se acha que a conversa é muita e a explicação é pouca, faço o desafio de ir lá e ver com os seus próprios olhos aquilo que vou descrever nas próximas linhas.

A viagem até ao Pinhão pode ser de carro de Lisboa (A1, A4 e A23), Porto (A4 e IP4, A7, A25 e A24), de avião de Lisboa ou Bragança, ou então faça a fantástica viagem subindo o Douro de barco e pare no cais do Vintage House Hotel (www.csvintagehouse.com) para pernoitar e descansar.

O Eng. António Magalhães, responsável pela manutenção da vinha, e o enólogo David Guimarens responderam ao apelo do pai do David – Bruce, e meteram mãos à obra, iniciaram na quinta do Panascal, depois na de Santo António e agora também a Roeda, criando um espectáculo económico, paisagístico, e acima de tudo, vínico sem precedentes.

Quem conhece o Douro e as suas margens sabe bem a dificuldade que é trabalhar esta região, mas difícil não é impossível. Tiveram de enfrentar os grandes inimigos desta região como os socalcos e os seus patamares, o calor intenso do verão, a erosão constante das chuvas, as doenças, as pragas, sem usar qualquer herbicida, pesticida ou qualquer composto químico que destrói a terra, e certamente não fará bem à saúde.

As propostas foram: na vinha ao alto em encosta com declive de 35% a 40% criaram desnivelamentos dos talhões de vinha, com comprimentos úteis de plantação de 50 a 80 metros, e estradas de trabalhos com declive longitudinal de 2% a 4%, relvamento semeado temporariamente de aveia e ervilhaca para conservar a humidade do solo e defender da erosão; nos patamares estreitos em encostas com declive superior a 40%, criaram linhas de 2,5 metros de largura e só uma linha de videiras (oposto ao aconselhado no programa de 80 que recomendava 2), patamares com inclinação longitudinal de 3% (a inclinação é garantida por equipamento laser que controla os bulldozers na preparação do solo), e deixam que aconteça o relvamento espontâneo dos taludes (controlado mecanicamente) para controlar a erosão.

Facilmente vemos uma “erva daninha” a conviver com a videira, deixando de ser considerada um inimigo mas sim um aliado, não obrigando o uso dos tais químicos que já tanto descrevi.

Outro pormenor delicioso é o local onde são plantadas certas castas, as mais resistentes como a touriga francesa necessitam de menos preocupação e vão para solos mais baixos, a tinta roriz, que é talvez a mais sensível e delicada, tem como sulfato natural do oídio o vento, logo é plantada nas zonas de maior altitude para aumentar a exposição, a escolha de solos pobres também é importante para controlar o excesso de produção de certas castas. Pontos fortes, pontos fracos são história e a linguagem é ecossistema, paisagem, vinha, e claro um melhor vinho.

“A viticultura biologia é uma prática importante sobre espaço em courela de forma a entenderem a sua importância na natureza e para se caminhar para uma cultura sustentável nas restantes vinhas.”, confessa David Guimaraes.

“O vinho do porto é mais do que uma indústria vínica, é a sustentabilidade económica de mais de 100.000 famílias na região do Douro, e é tempo de pensar que se ela desaparece, não é só o vinho do porto que se vai, é toda uma região que entra em colapso económico.”, refere Adrian Bridge CEO da Fladgate Partership.

Depois do que vi acredito que este é o caminho do futuro, pois o desenvolvimento da viticultura biológica sustentável, é de certa forma abraçar o passado, reconhecer os erros do presente, e começar a pensar no futuro.

Para comentar este artigo ou sugerir temas contacte o autor por gourmet@live.com.pt.

Texto publicado originalmente no Lifestyle do diário OJE a 12 de Abril de 2010

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