quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Acreditar no Algarve

Uma das coisas que mais me impressiona em termos gastronómicos no Algarve é que nos 365 dias do ano, só tem praticamente noventa em que os restaurantes podem dizer que, efectivamente, trabalharam em full-time, ou mesmo em overbooking.

Contratam-se mais empregados de sala, reforça-se a brigada de cozinha, as ementas e as cartas de vinhos são renovadas, e apesar de muito trabalho o sorriso aumenta.

O problema é que, retirando o Verão e alguns fins-de-semana esporádicos, esta região sofre com a falta de clientela, e é aqui que se distinguem os bons dos maus: o profissionalismo no atendimento, a qualidade dos produtos e o rigor na confecção ficam muitas vezes abaixo do medíocre.

Eu, infelizmente, este ano tive várias decepções nesta região, mas eis senão quando aparece a razão pela qual nunca devemos desistir, aliás até devemos insistir.

Foi em Sagres, mais precisamente na praia do Martinhal, concelho de Vila do Bispo, que o deslumbre sucedeu.

Ainda não fez um ano de idade, e já fala como gente grande - falo do Restaurante O Terraço, integrado no Martinhal Beach Resort.

A entrada é através do Hotel, sendo necessário "visitar" as várias vilas e residências de extremo bom gosto que separam a entrada do resort da entrada deste.

A sala, que se encontra no piso superior, não tem separações físicas, mas divide-se em dois espaços - o Lounge (bar) e o Terraço (restaurante), sempre acompanhada pela extensa e muito apetecível varanda que se estende por todo o comprimento.

As mesas aprumadas já estavam postas com o serviço da Cutipol, separado pelo guardanapo de pano a contrastar com os copos da Schott.

A carta está dividida em várias opções: entre entradas, carnes, peixes e sobremesas, tem uma opção de degustação a €49 que, naturalmente numa primeira visita, é sempre a melhor decisão.

De pronto, o pão e um pires de azeite chegaram, seguindo-se o espumante rosé da Murganheira e o amouse bouche: terrina de frango e espuma de couve-flor, bem executado, mas sem grandes apontamentos.

A entrada é um caso mais sério: Ovas de Ouriço-do-mar com ovos mexidos, azeite trufado e palitos de pão de Vila do Bispo torrado.

As ovas de ouriço, ou caviar como frequentemente é chamado, estavam num grande rigor técnico onde as texturas, aromas e sabores percorriam as minhas papilas gustativas que nem dois graciosos dançarinos a dançar a valsa em Viena.

Muda-se o néctar para o Barranco Longo Grande Escolha Branco, um pouco quente para o meu gosto, mas ficou o apontamento para a correcção.

Os raviolis de camarão tigre em caldo de tomate e gengibre vieram no seguimento.

Gostei, apesar de achar que a dose de gengibre poderia ser um pouco mais controlada. Excelente foi a harmonização entre a acidez do vinho com o caldo de tomate.

Um shot de sorbet de limão com champagne Veuve Clicquot e sumo de romã e trocam-se os copos para dar espaço ao Quinta de La Rosa Reserva.

No meio de um aroma intenso mas agradável de tomilho em brasa (que é ateado na cozinha e vem para a sala já em fumo que nem pau de incenso, e não passa despercebido a ninguém, pois o aroma encarrega-se de anunciar a sua chegada), aparece o lombo de vaca sobre uma cama de rabo de boi, seu caldo acompanhado com batatas salteadas e uma salada.

A carne estava bem temperada e marcada, e descansou o tempo suficiente para não fazer um mar de sangue à mesa.

A combinação com o rabo de boi era provocatória e muito interessante, combinando-se de forma agradável dois elementos completamente distintos da vaca.

Fiquei ainda mais feliz quando chegou até mim um prato de queijo ligeiramente fundido, acompanhado de um "cocote" com alperce, figos secos e avelãs: no prato o queijo assentava junto de umas folhas de rúcula e pinhões.

Por vezes não é necessário complicar e devemos deixar enaltecer os bons produtos, pois eles são as principais estrelas da cozinha.

Termino com um simples e discreto brulée que não choca, mas não espanta.

O ponto muito positivo foi a carta de vinhos, exclusivamente com referências portuguesas (excluindo os champanhes), e a preços muito acessíveis.

O serviço foi sempre exemplar, a simpatia extrema e sempre com vontade de servir e agradar sem parecer que lá estão - cada vez gosto mais de um serviço invisível mas eficaz.

Este é um dos sítios onde, apesar de ter feito apenas duas refeições, fiquei com a nítida sensação de que há solidez e coerência na equipa.

Agora resta-me esperar pela nova carta.

O Algarve ganha mais credibilidade em ter espaços como este!

Detalhes
Restaurante O Terraço
Martinhal Beach Resort & Hotel
8650-908 Sagres
W 8º 55' 34'' N 37º 1' 13''
+351 282 240 200
www.martinhal.com / info@martinhal.com
Horário: Aberto todos os dias ao jantar das 19h30 às 22h30.
Preço médio: €35 sem bebidas
Tipo de Cozinha: Autor
Cartões: Todos

Texto publicado originalmente no Lifestyle do diário OJE a 15 de Dezembro de 2010

1 comentário:

Maria disse...

Parabéns pelo seu espaço!Gostei muitissimo deste post do restaurante do resort em SAGRES!AMEI O "ACREDITAR NO ALGARVE"! Eutambém ACREDITO NO ALGARVE.