Cozinha Molecular, gastronomia ou ciência?
Por Vicente Themudo de Castro
Fotografias cedidas pela Cooking.Lab
(Fotografa Rita Silva)
Muito se fala na cozinha molecular, da sua espectacularidade, dos malefícios que faz à saúde, mas no fundo muito se especula e pouco se sabe.
O problema é que a falta de conhecimento começa nos chefes, reflecte-se nos jornalistas, e acaba por chegar com várias imagens e interpretações ao público final.
Quanto a mim, já ouvi tantas histórias diferentes que decidi averiguar de forma intensa e profunda. Primeiro ponto, e que deve ser a reflexão deste texto: a cozinha molecular é o uso de novas e mais modernas técnicas, possibilitando um diferente manuseamento dos alimentos.
Depois temos a gastronomia molecular: ciência que estuda os processos e as mutações que ocorrem quando se cozinha, bem como novas técnicas científicas para melhorar essas condições.
Outro facto interessante é que a cozinha molecular já existe há vários anos, mas é nos anos 90, pela mão de Heston Blumenthal e Ferran Adrià, que ganha o seu maior protagonismo, principalmente com as criações "Avant Garde", naquela altura.
O azoto líquido, muito popular neste tipo de cozinha pela sua espectacularidade, e fortemente criticado pelo seu efeito nocivo à saúde, não é nada mais do que 78% de um elemento gasoso que todos nós conhecemos bem: o ar.
Isso mesmo, o ar que todos nós respiramos!
Este é utilizado no seu estado líquido a -198ºC, e faz uns gelados sobre um efeito de fumo que faz lembrar os vídeo clips dos anos 80, cheios de fumo e mistério.
Técnica moderna? Não me parece. No séc. XIX, Agnes Marshall já a utilizava e explicava nos seus livros de culinária. Quem mais os usa?
Toda a indústria alimentar, para congelar os alimentos de forma mais célere, e assim preservar melhor as suas características, diminuir a perda de água e, principalmente, para garantir a qualidade da congelação.
Mais complexo de executar, mas também fácil de explicar, são os destilados: uma água a saber a chocolate não é algo que as pessoas compreendam, mas se já beberam aguardentes ou whisky, não estranham.
O processo não é nada mais que um líquido aromatizado em malte, frutos, e outros. Aí já ninguém estranha.
De facto não é fácil fazer em casa, pois o aparelho mais habitual para este processo é um evaporador rotativo, que custa uma pipa de massa.
Poderá tentar com uma bomba de vácuo e material de vidro de laboratório, novamente difícil, mas um pouco mais económico que o anterior.
Resumindo, a destilação é um processo no qual várias substâncias são separadas através do aquecimento.
Agora vamos falar num palavrão: os hidrocolóides. Estes sim, revolucionaram a "cozinha molecular". São a origem do espanto e deslumbre quando são apresentados nos pratos.
Gelatinas quentes, espumas, ares, café sólido, esferificações e muitos outros são os resultados.
No fundo, a palavra resume-se a água (hidro) e substâncias semelhantes a cola (coloides).
Os dois elementos combinados ligam-se criando diferentes texturas de gelatinas ou gel (conforme a aplicação e preparação).
Os mais populares são o amido, as pectinas, o agar, os alginatos e o carraginatos (extraídos de algas), e se pensa que são produtos raros de encontrar, também se engana, pois poderá encontrá-los em diversos supermercados, mas normalmente têm os seus nomes técnicos.
"Que coisa horrível!" poderá pensar agora, mas na realidade são usados num produto muito popular que certamente já entrou em sua casa - as azeitonas recheadas com pimentos. O pimento, depois de preparado e cozinhado, recebe a mistura de um coloide.
Depois é criado um longo tubo, cortado de forma uniforme e introduzido como recheio na azeitona e em muitíssimos outros alimentos basta ler os rótulos.
Frequentemente, aqueles que são considerados produtos tabu, estão dentro das nossas casas há anos e nem damos por eles. Fica a pergunta: serão assim tão perigosos como as histórias que pintam?
A ciência e os cientistas só vieram para ajudar aquelas imperfeições e parâmetros que os chefes não entendiam, sendo uma cozinha simplesmente mais tecnológica e mais curiosa.
Se quiser distinguir uma cozinha, não a rotule de molecular ou natural, regional ou moderna, dê-lhe o apelido que ela merece: BOA ou MÁ!
Texto publicado originalmente no Lifestyle do diário OJE a 5 de Julho de 2010
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