Eram seis da manhã de sexta-feira e alterei a
minha rotina habitual, acordando ligeiramente mais cedo para fazer uma
viagem de mais de 300 quilómetros, que separam a minha casa de Gaia.
Mas
a ânsia de chegar ao destino traduziu o esforço em prazer, pois era
para fazer uma das provas vínicas mais fantásticas da minha vida.
Os
quilómetros da estrada eram poucos, tendo em consideração os anos de
história que iria ter o prazer de conhecer.
A festa era de dois séculos
e, para celebrar, foram abertos seis vintages muito especiais,
colmatando com um tinto comemorativo do bicentenário: o Antónia Adelaide
Ferreira Douro 2008.
Mas voltando aos vintages, coube ao enólogo da
casa, Luís Sottomayor, abrir e comentar a prova, começando nada mais
nada menos do que com o Ferreirinha 1851.
O 1851 era um verdadeiro
estrondo no nariz e cor, revelando, apesar dos 160 anos, um aroma
intenso, muito complexo, e um ligeiro vinagre habitual neste tipo de
vinhos.
As supresas não pararam por aqui, pois a boca era marcada pelos
taninos e uma acidez apaixonante, terminando muito intenso, longuíssimo
e, acima de tudo, em grande!
Confesso que este foi o meu preferido.
Seguiram-se
os de 1847 e 1840, não sei se foi porque ainda estava deslumbrado pelo
primeiro, mas estes foram os que menos me fascinaram, não que os tenha
considerado maus, simplesmente não foram tão arrebatadores.
O primeiro
era um pouco mais doce, com notas de baunilha e especiaria, e, no ano do
seu lançamento, foi considerado um dos melhores.
O segundo, muito
complexo e intenso, revelou notas de figos e alguns frutos secos, mas o
final era muito persistente e um pouco forte para o meu gosto.
Ainda
houve tempo para provar alguns dos anos trinta, ora foram os anos 1834 e
1830 que tive o privilégio de levar ao nariz e boca, e ainda
apaixonarem os meus olhos com as suas cores vivas douradas, duas
verdadeiras pérolas.
Em 34, o resultado foi um vinho muito apaixonante,
com notas fortes de madeira, frutos secos e algumas notas ligeiras de
especiarias, boa acidez e frescura, terminando muito longo.
Já o 30,
manteve a toada do 34, com alguma complexidade e um nariz rico em notas
aromáticas, destacando-se a fruta seca, especialmente pinhões, na boca
revelando boa acidez, frescura, muito equilíbrio e paixão.
Se
pensarmos em Portos, raramente pensamos em mais de 40 anos, e muito
menos acima dos 100 anos, mas pensar próximo dos duzentos é que é
verdadeiramente único, e foi assim que pensei antes de me iniciar no
verdadeiro ex-líbris da prova, o Ferreirinha Vintage de 1815!
São
tantos os factos históricos a que este vinho pôde assistir, que não há
linhas suficientes para o resumir, mas um sobressai: a Dona Antónia
Ferreira tinha apenas 4 anos de idade quando este vinho veio ao mundo.
É
o famoso Vintage de Waterloo, com aromas ricos e intensos a madeiras
exóticas, especiarias de todos os tipos, cera, e um conjunto de mais
centos de aromas apaixonantes e fruto de um envelhecimento contínuo.
A
boca revela uma frescura fantástica, viva, apaixonante, com uma acidez
equilibrada pelo seu perfil único. E, rematando com as palavras do
enólogo Luís Sottomayor, "Um vinho apaixonante".
Foram seis provas
inesquecíveis, infelizmente apenas partilháveis pelas palavras, pois a
escassa quantidade não permite que estes se comercializem.
Do Vintage
1815, apenas ficaram 50 garrafas para história, havendo a possibilidade
de alguns privilegiados acompanharem a biografia da sua evolução. Espero
ser um deles.
Mas como nem tudo ficou apenas resumido a estas
linhas, volto ao início e ao vinho da comemoração: o Antónia Adelaide
Ferreira Douro 2008, que vai ser comercializado já a partir de Novembro,
e quem quiser comprar uma (ou mais) das 3500 garrafas produzidas, terá
de guardar pelo menos €45.
As uvas foram seleccionadas das melhores
barricas de cada uma das várias quintas do produtor, representando o
Douro nas suas diferentes regiões, altitudes e exposições.
Texto publicado originalmente no Lifestyle do diário OJE a 28 de Setembro de 2011
2 comentários:
Olá Vicente,
passei por aqui à procura de boas receitas e do chefe LJUBOMIR STANISIC e adorei o blog.
Parabéns.
Olá Tanita, ainda bem que gostaste, se precisares de receitas de outras pessoas é só pedir :)
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